18 janeiro 2013

O destino dos animais e a questão do "cão intercessor"



O Espiritismo é uma doutrina espiritualista de caráter filosófico e, ao mesmo tempo, uma ciência experimental, segundo a definição de Allan Kardec. O objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual, seguindo-se daí que o conhecimento acerca dos princípios da matéria, estudados pelas ciências ordinárias, lhe serve de complemento, uma vez que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. Deste modo, Espiritismo e Ciência se completam reciprocamente.

Contrariamente a isso, certos simpatizantes da Doutrina Espírita preferem renegar os conhecimentos científicos e descambam para a tentativa de anexar ao conhecimento e práticas espíritas conceitos oriundos do Espiritualismo genérico, com o que intentam “enriquecer” o corpo doutrinário espírita. Desta forma, passam a disseminar, junto aos núcleos espíritas, ideias e conceitos que conflitam clara e diretamente com os mais básicos e elementares princípios espíritas, ocasionando, assim, grandes confusões entre os simpatizantes da Doutrina, conduzindo o Movimento, de maneira sub-reptícia, à perda de unidade e, consequentemente, provocando desinteligências entre os adeptos, o que facilita a formação e fortalecimento de redutos seitistas. Atuam, portanto, à feição de vírus perigosos, como já tratamos no artigo “Os Cavalos de Troia do Espiritismo”.

Uma dessas questões elementares a que nos referimos acima é aquela que trata do animal irracional e sua destinação após a morte, assim como o grau de evolução ao qual pertencem. Tal assunto é tratado de maneira clara na obra basilar da Doutrina Espírita, “O Livro dos Espíritos”. Da questão 592 até a de número 610, os Espíritos Superiores respondem às mais variadas perguntas formuladas pelo codificador Allan Kardec, onde chegamos às seguintes conclusões, que abaixo enumeramos:

1. Os animais possuem instinto, que é uma forma rudimentar de inteligência, e não são detentores de livre-arbítrio;

2. Os animais não podem analisar seus erros e acertos. Assim sendo, não podem sofrer penas nem gozos por não terem consciência de seus atos praticados no mundo físico. Não há neles senso moral, já que a inteligência não se encontra suficientemente desenvolvida para tal;

3. A alma dos animais, após a morte do corpo, é devolvida rapidamente ao mundo físico, seja em um planeta ou outro para que continuem sua evolução até chegarem ao estado hominal, donde daí para frente possuirão livre-arbítrio e sofrerão as penas e gozos do mundo espiritual.
Em “O Livro dos Médiuns”, cap. XXV, 283, itens 36 e 37, também podemos colher mais informações sobre a questão:

4. O princípio inteligente que anima o animal fica em estado latente após a morte, sendo que espíritos encarregados desse trabalho imediatamente o utilizam para animar outros seres. Não lhes sobra tempo disponível para se por em relação com outras criaturas. Sendo assim, não há espíritos errantes de animais, mas somente espíritos humanos.

5. Consequentemente, não há animais habitando o mundo espiritual, e nem é possível obter comunicações de animais por via mediúnica ou por quaisquer outros meios.

É isso, pois, resumidamente, o que ensina o Espiritismo sobre o destino da alma dos animais, assim como suas possibilidades e nível de adiantamento.

No entanto, volta e meia nos deparamos com declarações em evidente contraposição ao exposto acima sendo feitas em centros espíritas ou presentes em obras que dizem inspirar-se no Espiritismo. Decorrem, obviamente, de mera opinião pessoal de seus autores, mas que são consideradas, por certo número de desavisados, como autêntico ensinamento espírita. Isso ocorre mais comumente nos núcleos de orientação ramatisista, que se auto-intitulam “universalistas”, onde se pretende, a todo instante, “reformar” o Espiritismo a título de “modernidade” e “vanguardismo”. Porém, infelizmente, o que encontramos nesses redutos é um autêntico sincretismo, onde tudo se mistura, sem qualquer critério de aferição da Verdade. Opiniões individuais se mesclam a conceitos do orientalismo, cujas doutrinas jamais formaram um corpo uniforme, somadas a comunicações atribuídas a espíritos, que são logo cridas como autênticas e repositórios de verdades cristalinas, a título de contribuição ao corpo doutrinário espírita. Esquecem-se, contudo, que o critério espírita de aceitação das mensagens oriundas do mundo espiritual deve ser o da concordância universal, tendo como base a própria revelação espírita, toda ela consubstanciada nas obras da Codificação.

Um exemplo prático dessa triste realidade tem sido as mensagens atribuídas a um deus grego (!) pretensamente recebidas pelo “médium universalista” gaúcho Roger Bottini, que também diz psicografar Ramatis. Já realizamos uma abordagem crítica deste caso e assunto no artigo “Médium ‘universalista’ diz receber mensagens de deus grego”- o qual sugerimos a leitura para melhor entendimento do que agora escrevemos - , sendo que, recentemente, causou-nos enorme perplexidade o comentário feito pelo Sr. Bottini sobre um suposto “cão intercessor” chamado Fiel. Segundo o médium supracitado, seus leitores estariam livres para orar ao cão e “pedir auxílio para seus ‘pets’ que estejam doentes ou tenham desencarnado.” Segundo o sr. Bottini, “Fiel é um cão do reino astral muito especial” e “vive junto a Hermes”, o deus da mitologia grega, e “atenderá aos pedidos feitos a ele com muito amor e carinho”(...)

Desta feita, apelamos ao leitor que analise minimamente a declaração acima e compare com o que é ensinado pela Doutrina Espírita. Lembramos que o autor faz palestras em centros espíritas e se diz “espírita universalista” – uma maneira encontrada de não ter que divulgar fielmente os princípios espíritas e misturá-los a tudo que lhe venha na cabeça. O resultado disso é que, dentro em breve, certamente, teremos pessoas que se dizem “espíritas” declarando abertamente por aí que oram a um cão, que amorosamente atende aos seus pedidos. A impressão causada, com certeza, será a pior possível, passando o Espiritismo a alvo de chacota e desprestígio por parte daqueles com mínima capacidade de raciocínio e senso crítico.

Segundo as instruções dos Espíritos a Allan Kardec, principalmente as contidas na Introdução de “O Evangelho segundo o Espiritismo” e em “O Livro dos Médiuns”, faz-se necessário estarmos alerta a esses focos de grosseira mistificação e aplicarmos uma postura crítica que consiste em separar o verdadeiro do falso. É nosso dever submeter ao cadinho da razão e da lógica todas as comunicações, sobretudo aquelas que possuem um caráter exótico e exclusivista, geralmente advindas de indivíduos vaidosos que se auto-intitulam detentores de alguma missão especial ou conhecimento inacessível a maioria, que apresentam como verdades absolutas. Na mais das vezes, são vítimas de espíritos mistificadores ou pseudossábios, que se ornam com nomes pomposos para melhor enganar. O mal que tais entidades intentam causar é enorme, porque visam à desfiguração da mensagem espírita, expondo-a ao ridículo e ao vexame perante a opinião pública, enfraquecendo, assim, os magnos objetivos de esclarecimento e libertação da ignorância propostos pela Doutrina. A fim de atenuar a má impressão que causam, podem essas entidades espirituais até estimular seus medianeiros a erguerem alguma obra de caridade ou a desenvolverem alguma atividade de assistência social, intentando, assim, formar uma nuvem de fumaça em torno do médium e angariar a admiração dos incautos que lhes seguem os esdrúxulos ideários. Tais ideários, atualmente, estão geralmente ligados aos conceitos de salvação planetária, coletiva e/ou individual, onde se inserem “revelações” e previsões sobre futuras hecatombes apocalípticas, incutindo que seus seguidores serão salvos em função de suas crenças, preces ou ações determinadas pelo(s) líder(es) seitista(s). Tudo, obviamente, sugerindo muito amor, fraternidade e caridade em frases de efeito, que, na verdade, encobrem boas doses de presunção, e estímulo ao medo e ao misticismo.

O Espiritismo bem estudado e compreendido é seguramente o melhor antídoto contra tais ilusões e artimanhas, mas como cada vez mais se tem priorizado a leitura de obras romanceadas e as de abordagem superficial e simplista de pretenso caráter espírita, deixando-se de lado o estudo sério e metódico das obras kardecianas, tem crescido o número de adeptos que pouco ou nada sabem sobre a Doutrina, tornando-se, assim, presas fáceis dos espertalhões encarnados e desencarnados.

Já declarava Kardec em 1861, em “O Livro dos Médiuns”:

Os Espíritos são as almas dos homens, e como os homens não são perfeitos, há também Espíritos imperfeitos, cujo caráter se reflete nas comunicações. É incontestável que há Espíritos maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais devemos nos prevenir.

Herculano Pires, em vista desses preciosos esclarecimentos, teceu comentários, tendo em mente o que vem ocorrendo no movimento espírita brasileiro:

A malandragem dos Espíritos mistificadores ultrapassa às vezes tudo que se possa imaginar. A arte com que assestam as suas baterias e tramam os meios de persuadir seria digna de atenção, caso se limitassem a brincadeiras inocentes. Mas as mistificações podem ter consequências desagradáveis para os que não se previnam. Somos muito felizes por termos podido abrir os olhos a tempo a muitas pessoas que nos pediram conselhos, livrando-as de situações ridículas e comprometedoras.
(...) Devem também considerar desde logo suspeitas as predições com épocas marcadas e todas as indicações precisas referentes a interesses materiais.
Toda cautela com as providências prescritas ou aconselhadas pelos Espíritos, quando os fins não forem claramente razoáveis.
Jamais se deixar ofuscar pelos nomes usados pelos Espíritos para darem validade as suas palavras.
Desconfiar das teorias e sistemas científicos ousados. Enfim, desconfiar de tudo o que se afaste do objetivo moral das manifestações. Poderíamos escrever um volume dos mais curiosos com as estórias de todas as mistificações que têm chegado ao nosso conhecimento.
A falta de observação dessas instruções tem permitido a divulgação e aceitação de numerosas teorias pseudo-cientificas em nosso país e em todo o mundo, que contribuem para o descrédito do Espiritismo. A vaidade pessoal de médiuns, de estudiosos da doutrina e até mesmo de intelectuais de valor inegável, estes sempre dispostos a criticar e a superar Kardec, tem levado essas pessoas ao ridículo, inutilizando-as para o verdadeiro trabalho de divulgação e orientação. Essas instruções devem ser lidas e meditadas pelos que desejam realmente servir à causa espírita
.”

Assim sendo, prezado leitor, se desejamos estar aptos a seguir a causa espírita, levemos em consideração tais instruções, precavendo-nos, assim, dos engodos que dão o ar da graça em nosso meio. Somente o estudo atento das obras kardecianas, somados ao desenvolvimento do senso crítico alicerçado na mais severa lógica, pode imunizar-nos desses vírus inoculados pelos inimigos secretos do Espiritismo e do bem geral. Amar ao próximo não é somente aliviar suas dores, mas preveni-las, e isso começa por libertá-lo de tudo que conduza ao erro e à ilusão, que, consequentemente, levará ao sofrimento. Na ignorância repousa a origem de todo o mal.