20 fevereiro 2013

Resposta a um biógrafo





Em nosso último estudo, intitulado "Hercílio Maes, médium ou escritor?", analisamos algumas passagens da biografia do referido médium paranaense, que foi o primeiro a declarar receber mensagens de Ramatis. Em "Simplesmente Hercílio", escrito pelo próprio filho do biografado, o Sr. Mauro Maes, encontramos diversas menções a um outro espiritualista que militou por muitos anos no Movimento Espírita, muito conhecido até hoje por alguns dos seus livros, entre eles o polêmico e que mais sucesso alcançou, "Os Exilados de Capela": Edgard Armond.

Militar de carreira, Armond ocupou posições de destaque no Movimento Espírita paulista, tendo colaborado na reorganização da FEESP, na criação da USE e na fundação da Aliança Espírita Evangélica.

Em nossa primeira obra de análise dos ditados atribuídos ao espírito Ramatis, lançada em 1997 e intitulada "Ramatis, Sábio ou Pseudo-Sábio?" (Editora EME), chegamos a citar Edgard Armond como a única liderança de renome no Movimento Espírita cujas ideias se aproximavam das de Hercílio/Ramatis. Foi o suficiente para despertar a atenção e provocar grande incômodo em um dos biógrafos de Armond, Edelso da Silva Júnior, que em seu livro "No Tempo do Comandante" (Ed. Radhu - 2010), sai em defesa de Armond, Hercílio e Ramatis, ao mesmo tempo em que dispara pesada munição contra os críticos das obras de Ramatis, entre eles Herculano Pires, Jorge Rizzini e o menor deles todos, este que aqui escreve.

Sem pretender nenhuma espécie de revide, não nos foi difícil elaborar uma réplica ao prezado Edelso, uma vez que seus argumentos são a mera repetição dos que encontramos sendo utilizados pelos seguidores de Hercílio/Ramatis. Caso o biógrafo de Armond tivesse se dado o trabalho de ler os 62 artigos que até o momento escrevemos e publicamos em nosso blog, transformados na obra "Espiritismo x Ramatisismo", da mesma forma que pacientemente lemos seu livro de 523 páginas, com certeza teria percebido que boa parte de sua argumentação desfavorável ao nosso trabalho já havia indiretamente tido a sua devida resposta.

Edelso Jr. se dedicou a escrever um capítulo inteiro sobre Ramatis. Logo de início, compara a campanha de esclarecimento e análise das obras de Hercílio/Ramatis à época em que foram publicadas com o "Auto de Fé de Barcelona", numa tentativa já conhecida de colocá-los na posição de vítimas. Alega o autor que tal "perseguição" teria servido para atrair ainda mais a atenção das pessoas e alavancado a vendagem das obras ramatisianas. Trata-se de um argumento comumente utilizado para desencorajar esse tipo de trabalho, que inclusive foi, desde sempre, estimulado por Kardec e pelos espíritos superiores. Vejamos:

"É preciso que se saiba que o Espiritismo sério se faz patrono, com alegria e presteza, de toda obra realizada com critério, qualquer que seja o país de onde provém, mas que, igualmente, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas que, de coração, vigiam para que a doutrina não seja comprometida devem, pois, denunciá-las sem hesitação, tanto mais porque, se algumas delas são produtos de boa-fé, outras constituem trabalho dos próprios inimigos do Espiritismo, que visam desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Eis por que, repito, é necessário que saibamos distinguir aquilo que a Doutrina Espírita aceita daquilo que ela repudia. (Allan Kardec em "Viagem Espírita de 1862)

"(...) Todas precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa". (Allan Kardec, Revista Espírita, 1863, maio)

"(...) Observai e estudai com cuidado as comunicações que recebeis; aceitai o que a razão não recusar, repeli o que a choca; pedi esclarecimentos sobre as que vos deixam na dúvida. Tendes aqui a marcha a seguir para transmitir às gerações futuras, sem medo de as ver desnaturadas, as verdades que separáveis sem esforço de seu cortejo inevitável de erros". (Santo Agostinho, Revista Espírita, 1863, julho.)

"Os maus Espíritos temem o exame; eles dizem: 'Aceitai nossas palavras e não as julgueis.' Se tivessem a consciência de estar com a verdade, não temeriam a luz. O hábito de escrutar as menores palavras dos Espíritos, de pesar-lhes o valor, distancia forçosamente os Espíritos mal intencionados, que não vêm, então, perder inutilmente seu tempo, uma vez que se rejeite tudo o que é mau ou de origem suspeita. Mas quando se aceita cegamente tudo o que dizem, que se coloca, por assim dizer, de joelhos diante de sua pretensa sabedoria, fazem o que fariam os homens - disso abusam". (Allan Kardec, Escolhos dos Médiuns, Revista Espírita, fevereiro de 1859)

"Se a perfeita identificação dos Espíritos é, em muitos casos, uma questão secundária, sem importância, não se dá o mesmo com a distinção entre os Espíritos bons e maus. Sua individualidade pode ser-nos indiferente, mas a sua qualidade jamais. Em todas as comunicações instrutivas é sobre esse ponto que devemos concentrar nossa atenção, pois só ele pode nos dar a medida da confiança que podemos ter no Espírito manifestante, seja qual for o nome com que se apresente. O Espírito que se manifesta é bom ou mau? A que grau da escala espírita pertence? Essa a questão capital". (O Livro dos Médiuns)

É justo lembrar que nenhum dos críticos das obras de Ramatis proibiu a leitura dos mesmos, como afirma Edelso Jr., que compara o trabalho de análise com a publicação do Index Librorum Prohibitorum, o índice de livros proibidos da Igreja Católica. O que ocorreu em certo momento na FEESP foi a decisão (com certeza, acertada e coerente com os próprios ditames do Espiritismo) de não mais vender as obras de Ramatis na livraria da instituição, cujas razões para tal foram devidamente fundamentadas pela Comissão de Doutrina daquela federativa.

Pegando carona nos fatos ocorridos naquela época, Edelso dispara contra nosso atual trabalho de análise e de pesquisa em relação às obras de Ramatis, já que a maior parte dos críticos daquela época já estão desencarnados:

"(...) O trabalho mais recente, porém, com cheiro de cruzada religiosa e que contém falhas de informações tanto no campo espírita, quanto no setor científico, pois lhe faltou, também, estudar um pouco mais de ciência (teoria das supercordas por exemplo), que faz uma crítica aos textos de Ramatis, é o livro Ramatis - sábio ou pseudo-sábio?, de Artur Felipe de A. Ferreira, editado em 1997."

Iniciemos, portanto, nossa réplica aos comentários do biógrafo de Armond.

O autor não menciona quais seriam as falhas de informações, e cita a teoria das supercordas. Para que o leitor entenda melhor, o Sr. Edelso é um dos que acham que a total incoerência dos ditados ramatisianos em relação à Marte se deve ao fato de que, na realidade, os marcianos habitariam uma outra dimensão, inacessível aos humanos. A teoria das supercordas prediz o número de dimensões que o Universo deve possuir, cerca de 11. Já tratamos desta hipótese em nosso estudo intitulado "Ramatis e o planeta Marte", publicado em 21/10/2008. Dissemos, naquela oportunidade, que "alguns simpatizantes de Ramatis inadvertidamente passaram a divulgar, quando da constatação da realidade marciana pela ciência, que Ramatis estava a descrever a paisagem espiritual do planeta. Ora, em vários momentos ao longo da obra 'A Vida no Planeta Marte...', a citada entidade espiritual descreve vida material, tanto que chega a dizer (...): '...E os imensos cinturões que observais, da Terra...' Se ele, pois, fala em 'observação' da nossa parte, é claro que ele nos fala de matéria visível aos nossos olhos, isto está bem claro."

O interessante é que o autor se cala perante as inúmeras cincadas científicas de Hercílio/Ramatis, que erraram flagorosamente ao descreverem o relevo, as condições climáticas, a temperatura, a composição das calotas, assim como as zonas de vegetação, rios, mares e oceanos em completa oposição àquilo que foi constatado pela Ciência através de sondas não-tripuladas enviadas àquele planeta recentemente. Tratamos do mesmo assunto em outro artigo, onde posicionamos o leitor em relação à verdadeira posição espírita perante tais informes, podendo o leitor se certificar e chegar às suas próprias conclusões: "Férias em Fobos e Deimos?"

Continua o Sr. Edelso:

"Esse autor faz um estudo sobre as obras de Ramatis e compara as informações dos livros de Kardec e outras obras espíritas. Pensamos que lhe faltou uma compreensão maior de toda a obra ramatiziana (sic), para que pudesse ter uma postura cristalinamente kardequiana, de aceitar aquilo que é bom e deixar para a posteridade o que ainda carecia de maiores comprovações."

Primeiramente, cabe informar que já lemos e pesquisamos com toda a atenção todas as obras atribuídas a Ramatis. Acreditamos até que conhecemos mais as tais obras do que aqueles que se auto-intitulam "ramatisianos", uma vez que muitos demonstram ter sobre elas uma muito vaga noção.

O Sr. Edelso menciona a postura verdadeiramente kardequiana. Qual seria esta postura? Seria uma postura condescendente com o erro, com a impostura, com o exotismo das mensagens? De modo algum. Primeiramente, Kardec jamais teria aceitado aprioristica e precipitadamente as mensagens atribuídas a Ramatis, baseado unicamente no seu conteúdo moral. Confiramos:

“Aplicando esses princípios de ecletismo às comunicações que nos enviaram, diremos que em 3.600 há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas 100 de um mérito inconteste. Essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes".

Verificamos acima que Kardec lista 3.000 comunicações de moralidade irreprochável. Destas, apenas 100 teriam sido por ele publicadas. Concluímos, assim, que Kardec não avaliava as mensagens unicamente pelo conteúdo moral, porque ele sabia que os espíritos pseudossábios saberiam muito bem disfarçar-se por detrás de palavras bonitas e belas frases, inclusive citando Jesus, o Evangelho, o amor e a caridade.

"Ora, a experiência mostra que os maus se comunicam tanto quanto os bons. Os que são francamente maus, são facilmente reconhecíveis; mas há também os meio sábios, falsos sábios, presunçosos, sistemáticos e até hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma aparência séria, de ciência e de sabedoria, em favor do qual proclamam, em meio a algumas verdades e boas máximas, as mais absurdas coisas".

E cita claramente a necessidade e o dever de analisarmos tudo com rigor e que isso faz parte da Ciência Espírita:

"Separar o verdadeiro do falso, descobrir a trapaça oculta numa cascata de palavras bonitas, desmascarar os impostores, eis,sem contradita, umas das maiores dificuldades da Ciência Espírita".

O ilustre biógrafo de Armond certamente tentou recordar Paulo de Tarso, quando este sugere: “Examinai tudo. Retende o que é bom” (I Tessalonicenses 5:21). Mas aí é que está. O exame geralmente não é feito, nenhuma pesquisa é realizada, tudo que vem dos Espíritos é logo publicado - daí, não é possível saber se há efetivamente algo de bom a ser retido.

As instruções contidas nas obras da Codificação não deixam dúvidas, principalmente as de Erasto. Leiamos com atenção quando este discorre sobre os falsos profetas da erraticidade:

"Mas há ainda muitos outros meios de os reconhecer. Os Espíritos da ordem a que eles dizem pertencer, devem ser não somente muito bons, mas também eminentemente racionais. Pois bem: passai os seus sistemas pelo crivo da razão e do bom-senso, e vereis o que restará. Então concordareis comigo em que, sempre que um Espírito indicar, como remédio para os males da Humanidade, ou como meios de realizar a sua transformação, medidas utópicas e impraticáveis, pueris e ridículas, ou quando formula um sistema contraditado pelas mais corriqueiras noções científicas, só pode ser um Espírito ignorante e mentiroso. (...) É incontestável que, submetendo-se ao cadinho da razão e da lógica toda a observação sobre os Espíritos e todas as suas comunicações, será fácil rejeitar o absurdo e o erro. Um médium pode ser fascinado e um grupo enganado; mas, o controle severo dos outros grupos, com o auxílio do conhecimento adquirido, e a elevada autoridade moral dos dirigentes de grupos, as comunicações dos principais médiuns, marcadas pelo cunho da lógica e da autenticidade dos Espíritos mais sérios, rapidamente farão desmascarar esses ditados mentirosos e astuciosos, procedentes de uma turba de Espíritos mistificadores ou malfazejos".

Em outra oportunidade, adverte:

“(...) Desde que uma opinião nova se apresenta, por pouco que nos pareça duvidosa, passai-a pelo crivo da razão e da lógica; o que a razão e o bom senso reprovam, rejeitai ousadamente; vale mais repelir dez verdades do que admitir uma só mentira (...)”.

Prossegue Edelso em seus comentários:

"Apesar de alguns exageros, uma certa dose de ironia, o que caracteriza falta de caridade, o livro é bom e faz o leitor pensar em alguns pontos conflitantes, na obra de Ramatis, dependendo do ponto de vista que se vê, mas não negativos, pois são opiniões do Espírito".

Engana-se o Sr. Adelso quando fala que a ironia representa falta de caridade. Por definição, ironia é, meramente, uma figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender; uso de palavra ou frase de sentido diverso ou oposto ao que deveria ser empregado, para definir ou denominar algo." (Dicionário Houaiss).

Porém, vamos ao que escrevemos para verificarmos o que foi considerado como sendo "falta de caridade". No cap. VIII, "Ramatis e a Vida de Jesus", informamos ao leitor que, segundo Ramatis, Jesus teria sido uma espécie de aluno dos essênios. Rebatemos a informação, confrontando-a com o que é dito em outras obras, que afirmam não ter Jesus precisado aprender coisa alguma com ninguém devido à sua já elevada condição espiritual. Ramatis chega a afirmar que esse grupo de espíritos voltaria a Terra para fundar uma confraria esotérica para a "revivescência do Cristianismo em suas bases milenárias". E, ao fim, comentamos, demonstrando surpresa com tão absurdas considerações:

"Que interessante! Toda essa turma volverá e organizará uma "confraria esotérica" para reviver a mensagem cristã! Acredite se quiser, caro confrade espírita!..."

Note o leitor que o biógrafo de Armond nos chama de anticaridosos porque nos utizamos de uma figura de linguagem, sendo que não há no livro qualquer palavra desairosa a quem quer que seja. No entanto, nada é dito sobre os impropérios desferidos pelo médium de Ramatis em relação àqueles que discordavam do conteúdo das mensagens de Ramatis. Listemos alguns deles, todos verificáveis tanto no livro "No Tempo do Comandante", do próprio Sr. Edelso, quanto na obra "Simplesmente Hercílio", escrita pelo filho de Maes:

1) fanáticos; 2) limitados; 3) raposas; 4) mentes primárias; 5) ex-inquisidores reencarnados; 6) primários; 7) sectários, etc.

Tal postura do Sr. Edelso nos faz lembrar do velho adágio:

"Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei". (...)

É lamentável que isso ocorra. Allan Kardec inclusive alerta em relação a essa reação por parte de certos médiuns:

"Por orgulho estão de tal forma persuadidos de que tudo quanto recebem é sublime e só pode vir dos Espíritos superiores, que se irritam com a menor observação crítica, a ponto de se malquistarem com seus amigos quando estes têm a inabilidade de não admirar o que lhes parece absurdo. Nisto reside a prova da má influência que os domina, pois, supondo-se que, por falta de capacidade de julgamento ou de conhecimento não fossem capazes de enxergar claro, este não constituiria um motivo para se porem de prevenção contra os que não se acham em idêntica posição. Todavia essa é a tarefa dos Espíritos obsessores que, para melhor manter o médium sob sua dependência, induzem-no ao afastamento, mesmo à aversão por quem quer que possa lhes abrir os olhos".

Voltando aos comentários do Sr. Edelso, este inicia sua defesa a Edgard Armond:

"O autor acima citado comete o equívoco ao dizer que o único pensamento dentro da Doutrina Espírita que se aproxima do de Ramatis é o de Edgard Armond. Isso não é verdade. Talvez ele precise de atualizar neste sentido, também."

Mais uma vez, o Sr. Edelso perde a oportunidade de passar ao leitor a informação que considera correta. Quais seriam essas outras pessoas de maior destaque no movimento espírita que teriam dado, àquela época, o apoio a Ramatis e ao seu (suposto) médium? Realmente até hoje desconheço quem teriam sido. Na própria biografia de Hercílio não consta nenhum outro indivíduo de projeção no Movimento Espírita que tenha dado seu aval de forma tão clara e direta a Hercílio/Ramatis quanto Edgard Armond.

Continua Edelso:

"Segundo o nosso confrade, só é reconhecível como boa obra o trabalho no campo da caridade que Edgard Armond executou."

No capítulo "Mensagens Atemorizantes", discorremos sobre a tese ramatisiana da aproximação de um "astro instruso" que provocaria uma destruição sem precedentes na face da Terra. Daí declaramos que "o único pensamento que se aproxima do de Ramatis nesta questão é o de Edgard Armond, encontrado no livro 'Os Exilados de Capela'". Para comprovar o que havíamos dito, reproduzimos os seguintes trechos do citado livro:

"... Como sua órbita é oblíqua (a do 'astro intruso')em relação ao eixo da Terra , quando se aproximar de mais perto e pela força magnética de sua capacidade de atração de massas, promoverá a verticalização do eixo com todas as terríveis consequências que este fenômeno produzirá".
"...Com a verticalização do eixo da Terra profundas mudanças ocorrerão: maremotos, terremotos, afundamento de terras, erupções vulcânicas, degelos e inundações de vastos territórios planetários, profundas alterações atmosféricas, fogo e cinzas, terror e morte de toda a parte". (9ª edição, Lake, pág. 194)

Ramatis afirma exatamente a mesma coisa no livro "Mensagens do Astral", sendo que a entidade espiritual é categórica ao precisar a data de tais apocalípticos acontecimentos:

“É óbvio que, ao se elevar o eixo terráqueo, o que há de acontecer até o fim deste século, também se modificarão, aparentemente, os quadros do céu astronômico com que estão acostumadas as nações, os povos e tribos, ...” (pg. 122)

“Com a elevação gradativa do eixo terráqueo, os atuais pólos deverão ficar completamente libertos dos gelos e, até o ano 2000, aquelas regiões estarão recebendo satisfatoriamente o calor solar. O degelo já principiou; vós é que não o tendes notado". ...

"A fase mais intensa da modificação física situar-se-á entre os anos de 1982 e 1992, e os efeitos se farão sentir até o ano de 1999, pois o advento do Terceiro Milênio será sob os escombros que, em todas as latitudes geográficas, revelarão o maior ou menor efeito dos eventos dos 'fins dos tempos'. Daqui a mais alguns anos, os vossos geofísicos anunciarão, apreensivos, a verdade insofismável: 'O eixo da Terra está se verticalizando'.!!!" (pag.37)

"Mais ou menos entre os anos 1960 e 1962, os cientistas da Terra notarão determinadas alterações em rotas siderais, as quais serão os primeiros sinais exteriores do fenômeno de aproximação do astro intruso e da proximidade do "fim dos tempos". Não será nenhuma certificação visível do aludido astro; apenas a percepção de sinais de ordem conjetural, pois essa manifestação dar-se-á mais para o final do século." (pág. 168)

Na segunda parte de Obras Póstumas, das previsões concernentes ao Espiritismo, Kardec apresenta mensagens dos Espíritos relativas ao "fim do mundo", que assim nos esclarecem:

“Certamente, não tendes a temer nem dilúvio, nem abrasamento de vosso planeta, nem outras coisas desse gênero, porque não se pode dar o nome de cataclismo a perturbações locais que não se produziriam em todas as épocas. Não haverá senão cataclismo moral, de que os homens serão os instrumentos” (Grifo nosso).

Mais adiante, escrevemos uma nota que dizia o seguinte:

"Em relação a Armond, cabe-nos a referência ao grande serviço no campo da caridade desenvolvido por sua pessoa. No que concerne às suas posições doutrinárias, não concordamos com elas. Sua defesa da inserção da cromoterapia nas casas espíritas, a grande influência esotérica, e muito do que consta em sua obra 'Os Exilados de Capela', principalmente no que se refere aos 'fins dos tempos', colidem com as mais autênticas posições doutrinárias espíritas, o que acabo ocasionando algumas críticas ao seu trabalho de divulgador".

Quantas, realmente, não são as pessoas que executam trabalhos magníficos nos mais diversos campos da assistência humanitária e que não foram e nem são espíritas? Madre Teresa de Calcutá, Gandhi, Irmã Dulce, Martin Luther King, por exemplo, eram espíritas? Não. Foram pessoas admiráveis, mas se algum deles fosse discorrer contra algum ponto doutrinário espírita, como a reencarnação, por exemplo, não haveríamos de discordar deles? Ora, o fato de alguém ser bom e caridoso não o faz conhecedor e absolutamente certo acerca de todas as coisas. Por isso que ressaltamos a boa índole de Armond, porém, não teríamos como concordar, na condição de espírita, com algumas de suas opiniões. O que comentamos, ao final, sobre as críticas que ele recebeu à sua época é, inclusive, mencionado no próprio livro do Sr. Edelso, corroborando assim tudo o que dissemos.

O Sr. Edelso faz, depois, algumas considerações, dizendo que somos "um crítico por tradição", que o assunto só gera desgaste, e que pegamos carona no trabalho de Herculano Pires. Ora, não sabíamos que havia alguma proibição de tratarmos de um mesmo assunto abordado por outro confrade espírita, ainda mais quando, em 1997, já haviam se passado 18 anos desde o desencarne de Herculano Pires. Nossa obra "Ramatis, sábio ou pseudo-sábio?" realmente contou com a magnânima contribuição dos escritos do prof. Herculano, e disso muito nos orgulhamos, mas, ao mesmo tempo, trouxemos informações e enfoques inteiramente inéditos, desconhecidos pela grande maioria do contingente espírita. Desgaste, na verdade, quem trouxe foram as mensagens de Hercílio/Ramatis, exatamente como Erasto já advertira aos espíritas:

"Os falsos profetas não existem apenas entre os encarnados, mas também, e muito mais numerosos, entre os Espíritos orgulhosos que, fingindo amor e caridade, semeiam a desunião e retardam o trabalho de emancipação da Humanidade, impingindo-lhe os seus sistemas absurdos, através dos médiuns que os servem. (...)São eles que semeiam os germes das discórdias entre os grupos que os levam isolar-se uns dos outros e a se olharem com prevenções. Bastaria isso para os desmascarar. Porque, assim agindo, eles mesmos oferecem o mais completo desmentido ao que dizem ser. Cegos, portanto, são os homens que se deixam enganar de maneira tão grosseira".

Conclui o Sr. Edelso:

"O caro confrade se utiliza também de mensagens de nomes conhecidos do Movimento Espírita para endossar sua tese contra Ramatis. Um deles é Vianna de Carvalho, que escreve por meio do médium baiano Divaldo Franco. Porém é do conhecimento de muitos que Divaldo deu uma declaração em 2004 na cidade do Rio de Janeiro, enaltecendo as qualidades morais do Espírito Ramatis e sua obra e que aguardemos para futuras confirmações algumas de suas mensagens. O que se vê na internet agora é Artur Felipe dizendo que, se Divaldo disse isso, então está indo contra Kardec. Em pesquisa que seu blog na internet executa sobre a questão de Ramatis ser um Espírito 'sábio ou pseudo-sábio', Artur presta um enorme serviço à divulgação das obras de Ramatis, ou seja, sua crítica só colabora com a adoção cada vez maior das obras psicografadas por Hercílio Maes".

O biógrafo de Armond diz a verdade. Citamos várias mensagens de Vianna de Carvalho (espírito) cujo conteúdo está em inteira contraposição ao que é dito por Ramatis e pregado pelos ramatisistas. Vianna se posiciona contra a introdução de práticas orientalistas nos centros espíritas, a divulgação de informes fantásticos sobre vida em outros planetas (uma vez que tais estudos pertencem à Ciência); posiciona-se contrariamente às previsões de 'fins dos tempos", às informações atemorizantes, e às profecias de terror e destruição. Ora, o que podemos fazer se Divaldo Franco tem opiniões discordantes dos espíritos que psicografa? Se ele prefere ignorá-los e dar apoio a quem pensa exatamente o contrário, isso é problema que só compete a ele. No artigo que publicamos em 24/12/2009, intitulado "Divaldo apoia Ramatis... Mas e daí?, citamos outras opiniões do médium baiano que não encontram respaldo nem na Doutrina, nem na ciência, como a tese das crianças índigo, por exemplo. Da mesma forma, mostramos que Divaldo discorda de boa parte daquilo que é referendado por Ramatis e seus simpatizantes, como a apometria, as teses de deslocamento do eixo da Terra e suas consequências, etc. Deixamos da mesma forma evidenciado que Divaldo pode se enganar em relação à índole de pessoas e espíritos, já que considerava Sai Baba um iluminado, e este, tempos depois, veio a ser pego diversas vezes recorrendo à mágicas, fraudes e prestidigitações, tendo também sido alvo de graves denúncias de todo tipo, acusado de assassinato e pedofilia por vários de seus discípulos. Discorremos sobre isso em detalhes no artigo supracitado.

Quanto a estarmos indiretamente colaborando com a vendagem dos livros de Ramatis, isso, para mim, pouco importa. Tenho a convicção que se alguém ler integralmente e com atenção as nossas duas obras sobre o tema, assim como o conteúdo do nosso blog, muito dificilmente vai desejar despender seu tempo com livros cujos principais postulados foram categoricamente desmentidos, não por nós, mas pela lógica dos fatos. E quem estiver, porventura, lucrando com isso, terá o julgamento da sua própria consciência e da inexorável Lei Divina, que é de Amor, mas também é de Justiça. O que jamais farei é recuar perante minha convicção espírita e deixar de lado a contribuição que damos à causa da Verdade, pois se uma só pessoa vier a abdicar desta "hipnose" (e as conheço várias), conforme Jorge Rizzini bem qualificou as convicções ramatisistas, já ficarei bastante feliz por saber que o esforço não foi em vão. Aos que desejarem ler as obras de Ramatis, fiquem à vontade. Não temos a menor pretensão de proibir ninguém de ler coisa alguma, e nem temos poder para isso. Sabemos que estamos em grande desvantagem nessa empreitada, já que o movimento espírita em geral padece de uma inércia completa em relação a esse tipo de trabalho de análise de mensagens, postura esta chamada por Herculano de "paz de pantanal", e, por sua vez, o movimento ramatisista conta com grande poderio econômico e logístico: uma editora, uma revista e programas de TV e de rádio. Se há ainda quem se deixa levar por mensagens de cunho fantasioso, só lamentamos, sendo que o Codificador já comentava:

"Os Espíritos só enganam os que se deixam enganar. Mas é preciso ter os olhos de joalheiro para distinguir a pedra verdadeira da falsa, e quem não sabe distingui-la procura um lapidário". (O Livro dos Médiuns) 

13 fevereiro 2013

Hercílio Maes, médium ou escritor?



Em um dos nossos últimos artigos, intitulado "Artigo Investigativo: Ramatis pode nem existir", discorremos sobre as semelhanças entre alguns conceitos e textos teosóficos e os ditados do espírito Ramatis, e também acerca da consequente (e grande) possibilidade de Ramatis sequer ter existido ou existir. Desta feita, faremos um exame da biografia de Hercílio Maes, o primeiro médium a alegar ter recebido mensagens daquele espírito.

Em "Simplesmente Hercílio" (Editora do Conhecimento, 2010), o próprio filho de Hercílio, Mauro Maes, discorre sobre acontecimentos ocorridos durante a vida do pai, assim como alguns dos seus pensamentos e opiniões, sendo muitos deles bastante interessantes para a análise que estamos fazendo, em que buscamos, ao máximo, a isenção, para que cheguemos mais próximos da Verdade.

Resumamos algumas das informações constantes do livro que consideramos como as mais relevantes para o objeto de nossa pesquisa. Citaremos as páginas do livro para que o leitor possa aferir com mais facilidade o que declaramos.

1 - É informado que Hercílio Maes recebeu uma educação católica a contragosto, já que sua mãe era católica fervorosa. Para satisfazer o desejo da mãe, foi coroinha. Por conta disso, na juventude tornou-se ateu, opção que, segundo seu filho, conservou-se por muito tempo (pág. 12). Teria sido somente por ocasião de um atropelamento a um casal que Hercílio teria se aproximado do Espiritismo (pág. 15). No entanto, é dito alhures que ele teria tido contato com Ramatis já aos três anos de idade, o que faz com que haja aí um grande contrassenso no que concerne à sua posterior opção pelo ateísmo. É dito que Ramatis teria feito essa primeira aparição "completamente materializado", envergando um turbante com uma pedra verde e uma cruz dentro de um triângulo. Algo que, de tão impressionante, dificilmente teria sido deixado de lado por alguém.

2 - Aos 30 anos teria acontecido o segundo contato. Hercílio Maes alegava ser dotado de "mediunidade intuitiva" e teria usado dessa faculdade para escrever as obras atribuídas a Ramatis, embora fosse também médium psicógrafo (pág.18). Guardou as primeiras mensagens, todas escritas com utilização de uma máquina de escrever, até que um amigo militar chamado Levino Cornélio Wischral se interessou e, entusiasmado, o incentivou para que fossem publicadas, passando, então, a revisá-las. Percebe-se aí que não foi feito qualquer tipo de estudo analítico das obras antes de sua publicação, tendo as mensagens ficado restritas a um pequeno grupo de pessoas antes de irem direto para o prelo. Levino já havia incursionado por esse terreno movediço com a publicação de um folheto intitulado “O Sol”, onde um espírito chamado Henrique Voes teria descrito o Sol e seus habitantes (!) através de uma médium chamada Guilhermina Drischel. Parecia ter um gosto especial por obras de cunho duvidoso: foi ainda prefaciador do livro “Num Disco Voador Visitei Outro Planeta”. Trataremos mais detalhadamente sobre o opúsculo “O Sol” em outra oportunidade.

3 - Tempos depois, Hercílio passou a reunir pessoas em sua casa a fim de formular perguntas a Ramatis, sendo que o próprio espírito, segundo é relatado, sugeria algumas delas. Como isso acontecia não é esclarecido, já que Hercílio não recebia mensagens de Ramatis nem através da psicografia, nem pela psicofonia. Somente se pode contar com o relato do médium, e nenhuma prova cabal de contato mediúnico direto é demonstrada, uma vez que as supostas mensagens eram recebidas “intuitivamente”.

4 - Por conta disso, à página 20, é relatado que Hercílio sofreu críticas de grandes vultos do Movimento Espírita, tais como Herculano Pires, Jorge Rizzini e Henrique Rodrigues, logo após o surgimento da primeira obra, intitulada "A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores", lançada pela Editora da Boa Vontade, ligada à LBV de Alziro Zarur, que sempre defendera a tese do “de 1000 passará, mas a 2000 não chegará”, incessantemente repetida em seus programas de rádio. Acreditavam eles que as obras eram de origem anímica, algo que jamais ficou bem esclarecido para o público em geral. No entanto, com as pesquisas que recentemente envidamos, ficou evidenciado que tais ditados têm incrível semelhança com certos escritos anteriores de autores teosóficos, o que certamente foi verificado, à época, por Herculano Pires, estudioso da Teosofia antes de conhecer o Espiritismo.

Incomodado com as críticas bem fundamentadas, Hercílio Maes alegou não ser importante a autoria das mensagens, mas seu conteúdo:

"Mesmo que Ramatis não existisse, mesmo supondo-se a tese de Herculano Pires, o que importa é o conteúdo das mensagens. (...) Que importa que fossem inspiração minha? Eu também sou um espírito.(...)"

É realmente impressionante como a atitude do analista é vista como condenável no meio espírita. Isso demonstra desconhecimento da obra kardeciana. “Os médiuns geralmente assumem a condição de ofendidos, e aparecem aos olhos da sociedade como infelizes e injustiçados”, conforme pontua Wilson Garcia, no ótimo “Uma Janela para Kardec” (Editora EME). O autor também enfatiza que analisar a identidade e o pensamento dos espíritos não é apenas necessidade, mas verdadeira obrigação. Foi um espírito quem nos instrui sobre isso na Codificação: “É isto que exige um muito grande estudo da parte de espíritas esclarecidos e dos médiuns; em distinguir o verdadeiro do falso é que devemos dirigir toda nossa atenção”.

No que diz respeito diretamente à declaração de Hercílio transcrita acima, Kardec reconhece que a “identidade dos Espíritos é uma das mais discutidas, mesmo entre os adeptos do Espiritismo”, não deixando de ressaltar que “em muitos casos, a identidade absoluta é uma questão secundária e sem importância real.” É preciso convir, no entanto, que a identificação é absolutamente desnecessária apenas quando “se trata de instruções gerais”, o que não se aplica a mensagens assinadas por espíritos que se posicionam como superiores, como é o caso de Ramatis, por exemplo. Tanto é que consta de “O Livro dos Médiuns” a análise de três mensagens cujo autor espiritual teria sido São Francisco de Paula. A apreciação dessas mensagens demonstra que é preciso, às vezes, certa argúcia para que se perceba o engodo que o espírito engendra, algo que, infelizmente, não ocorre porque grande parte do contingente espírita não estuda as obras da Codificação, não lhe conhece os princípios, o método e sua real proposta.

5 - Mais adiante no livro, o autor tece comentários sobre a vida cotidiana de Hercílio Maes e família. Afirma que o pai fazia questão que os filhos compreendessem as bases da Doutrina Espírita e que elas fizessem parte da educação desde tenra idade. Além disso, é contado que fenômenos mediúnicos ocorriam vez ou outra, tendo os filhos conhecimento do trabalho do pai como autor de livros de origem mediúnica. Estranhamente, é informado, alguns capítulos adiante, que seus filhos converteram-se a religiões protestantes. "Yara frequentava a igreja dos Mórmons, Zeila a igreja presbiteriana e eu a igreja evangélica" (pág. 26). Nem é preciso lembrar ao leitor deste artigo que todas essas religiões condenam veementemente o Espiritismo, a prática mediúnica e os próprios espíritas, além de seus ensinamentos colidirem frontalmente com a Doutrina. Mauro Maes, o autor do livro em questão, houvera sido, inclusive, incumbido pelo pai, aos 12 anos de idade, de passar a limpo as páginas do livro "A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores", sua primeira obra. A meu ver, é bastante improvável que alguém, no caso todos os filhos, tendo tido um contato tão de perto com o Espiritismo desde tenra idade através do próprio pai que tanto diziam seguir e admirar, pudesse vir a seguir movimentos religiosos tão antagônicos. De duas, uma: ou esse contato com o Espiritismo não foi tão intenso assim, de modo que acabou por não convencer ninguém, ou havia uma dúvida no ar sobre a veracidade e/ou origem dos fenômenos dos quais o pai dizia ser intermediário.

6 - Consta do mesmo livro que Maes possuía uma compreensão integral e profunda da Doutrina Espírita. No entanto, são relatadas ocasiões onde fica evidenciada uma aproximação muito maior com a Umbanda que, embora respeitável, possui crenças, práticas e terminologia que lhe são próprias, nada tendo a ver com a Doutrina codificada por Kardec. Uma prova de que Maes passou a confundir as coisas, é que um homem chamado Júlio Simó Costa foi nomeado “cambono” nas reuniões mediúnicas realizadas no escritório de Hercílio Maes. É dito ainda que os móveis eram cobertos com panos brancos, algo que nada tem a ver com aquilo que é aprendido no Espiritismo. As entidades comunicantes eram, além de Ramatis, também ligadas àquele rito africanista.

7 - Como é muito comum no meio umbandista, Hercílio Maes fazia reclamações constantes em relação a não-aceitação de seu trabalho por parte da maioria do contingente espírita brasileiro. O tom da crítica que desferia contra os espíritas era ácido e de cunho pessoal, algo que jamais foi feito por aqueles que não aceitavam as obras de Ramatis, que focavam unicamente nas discrepâncias e exotismos presentes nos ditados daquele espírito, e nunca na figura de seu (suposto) médium. Maes costumava defender o conteúdo de seus livros dizendo que seus críticos não podiam compreendê-los, pois que estavam “na base do leite” (pág. 82), isto é, uma clara insinuação de que as obras elaboradas por Allan Kardec são uma espécie de be-a-bá infantil, amplamente superada pelas suas. Declarou ainda Hercílio Maes sobre os espíritas estudiosos contrários a Ramatis: “São limitados, com preconceitos e sempre achando que o Espiritismo é que irá salvar o mundo, quando antes de Buda o céu já era povoado de santos!” Um argumento fraco, evidentemente, já que nenhum deles jamais afirmou algo parecido.

8 - Defensor do “universalismo”, uma espécie de sincretismo disfarçado, Hercílio Maes se auto-proclamava, assim como os defensores desse sistema de ideias, como um espírito “consciente”, enquanto que quem não seguisse a mesma cartilha era “sectário” (pág.82).

Em carta enviada ao Sr. Antonio Plínio da Silva Alvim, presidente de conhecido núcleo ramatisista no Rio de Janeiro, demonstrou um evidente deslumbramento com as mensagens que recebia, e proferiu comentários que possuíam enorme semelhança, tanto na forma, quanto no fundo, com as críticas proferidas pelo “espírito” Ramatis em seus livros:

Sem dúvida, Antônio, comprovei que realmente existem duas hierarquias de espíritos na Terra: uma que foi exilada de três ou mais planetas, capaz de sentir e compreender a mensagem universalista de Ramatis, e outra que, desenvolvendo sua consciência exclusivamente no psiquismo global, ainda não está em condições de suportar conceitos que ultrapassem os limites de sua conscientização primária. Eles estão certos: a mensagem é demasiadamente além de sua capacidade receptiva intelecto-emotiva. (...) Mas, caro Antônio, apenas trocaram de etiqueta, pois sendo fanáticos, limitados, irônicos e reverendos do catolicismo, assim se mostram no protestantismo, e, finalmente, no espiritismo. São como raposas: trocam de pele, mas não mudam a manha... Antigos clérigos, desde o papado até o irmão leigo dos conventos, adquirem aquela postura secular e conventual de não entregarem o posto antes de morrer! Assim, eles grudam-se 20, 30 ou 40 anos na direção de um centro espírita ou federação, com unhas e dentes, jamais cedendo a vez a novos valores idealistas.

Talvez ainda não soubesse Hercílio Maes que aquele seu amigo permaneceria no cargo de presidente de um Centro ramatisista em um bairro da zona norte do Rio, ininterruptamente, por 39 anos, de 1964 até 2003, só deixando o cargo após seu desencarne!...

9 - Outras afirmações ousadas e errôneas estão presentes na biografia oficial do médium de Ramatis:

A obra de Ramatis é complementar à codificação feita por Allan Kardec.” (pág. 93)

Discordamos, já que algo que é complementar jamais seria discordante. Listamos algumas das inúmeras discordâncias em "Breve Resumo de Algumas Diferenças".

No livro ‘A Vida no Planeta Marte e os Discos Voadores’, Ramatis antecipou um detalhe, à época impensável: quando os marcianos se aproximam das portas de uma residência, elas se abrem e depois se fecham automaticamente.”

Na verdade, a porta automática já havia sido imaginada em 1899, no livro “When the Sleeper Wakes”, por H.G. Wells, e foi efetivamente inventada em 1954, um ano antes da publicação do livro escrito por Maes.

Quanto ao livro Mensagens do Astral, o derretimento das calotas polares, a verticalização do eixo imaginário da Terra já são realidades.”

A ciência informa que o nível dos mares vem subindo há mais de 20.000 anos, desde o fim da última era glacial. De lá para cá, já ganharam 120 metros. A maior aceleração do derretimento das calotas polares começou a ser verificada entre o final do século XIX até 1940, quando houve a maior parte do aumento de 0,3 a 0,6 grau Celsius na temperatura da Terra. Tal vem se dando devido ao efeito estufa. Nada tem a ver com a teoria ramatisiana, que afirma que a causa seria a aproximação de um astro (o famoso “planeta chupão”), que teria começado a provocar tais mudanças somente a partir de 1950. Ramatis afirma que o ápice desse processo, com catástrofes globais, se daria até 1999, sendo que nada aconteceu. Quanto à verticalização do eixo da Terra, nada de anormal foi verificado até hoje. O movimento ramatisista tenta até hoje arrumar alguma explicação para as previsões que não se cumpriram.

10 - A biografia de Maes conta também com a colaboração de pessoas que lhe foram próximas em vida. A astróloga Mariléia Castro, revisora do livro, se mostrou a mais deslumbrada, e revoltada na mesma intensidade. Chama os espíritas que não aceitam Ramatis de “ex-clérigos da época inquisitorial”. Para justificar a necessidade de aceitação das ideias orientalistas de Maes/Ramatis, alega que Allan Kardec fora um sacerdote druida, embora os druidas tenham vivido na Gália, uma antiga província do Império Romano, hoje território francês, muito distante, pois, do Oriente.

Conta, também, uma história difícil de acreditar e própria de quem alcançou níveis altíssimos de credulidade irrefletida. Diz ter ouvido de Hercílio Maes que este teria sofrido um acidente automobilístico provocado por “forças trevosas” incomodadas com os livros de Ramatis. Não obstante, Hercílio teria se desmaterializado no momento do acidente e se rematerializado instantes depois, já fora do carro. Acredite, caro leitor, se puder...

Seu fascínio pelo médium de Ramatis não para por aí. A Sra. Mariléia de Castro acreditava que Maes podia ir em espírito a Marte e retornar, sendo que, quando voltava, corroborava o que teria ouvido de Ramatis: sim, havia uma civilização hiper mega desenvolvida naquele planeta. Para comprovar tal tese, mostra fotos tiradas do solo marciano onde aparecem uma suposta terraplenagem, um duto e um rosto.

Comecemos pelo rosto: trata-se somente de uma ilusão. Em nova foto tirada do mesmo local tempos depois, a NASA comprovou que é apenas uma colina no imenso deserto marciano. Em comunicado, a agência espacial explicou a ilusão de ótica, dizendo que “a enorme formação rochosa, que lembra uma cabeça humana, é formada por sombras que dão a ilusão de olhos, nariz e boca”. Tal fenômeno é conhecido como pareidolia. Já o suposto “duto” não passa de uma conformação do caótico terreno de Marte. Se houvesse a propalada hiper desenvolvida civilização marciana, dutos certamente teriam uma aparência bem melhor, já que o que lá aparece é fincado no solo e totalmente irregular. O caso da terraplenagem se enquadra no mesmo caso, e na verdade se deve às marcas deixadas no solo de Marte pela correnteza de água há 3,8 bilhões de anos.

Não satisfeita, Mariléia de Castro procura defender a revelação ramatisiana sobre Marte com a citação de autores que a teriam posteriormente referendado. Cita, daí, um artigo que teria sido escrito pelo teosofista Charles Leadbeater em 1955, em que há uma descrição da civilização marciana, segundo ela própria admite, “em termos incrivelmente análogos aos de Ramatis”. O que a Sra. Mariléia não sabe é que Leadbeater desencarnou em 1934. Assim sendo, como já pudemos ver em “Artigo Investigativo: Ramatis pode nem existir”, há uma evidente “inspiração” na obra do teosofista inglês, já que a obra de Ramatis é de 1955, mesmo ano em que a revista “O Teosofista” publicou o tal artigo.

Mais adiante, à página 122, é reproduzida uma entrevista realizada com Hercílio Maes pela revista Panorama em 1969. Ao longo da entrevista, várias imprecisões científicas e doutrinárias são cometidas. Entre elas, o suposto médium de Ramatis afirma que os satélites de Marte são artificiais e que foram lançados pelos habitantes de Marte. Nada mais incorreto e fantasioso. Ocorre é que, em 1959, Walter Scott Houston publicara uma “pegadinha” de 1º de abril (Dia da Mentira) na edição da revista “Great Plains Observer”, anunciando que “o Dr. Arthur Hayall, da Universidade de Sierras, constatou que as luas de Marte são na verdade satélites artificiais”. Só que não havia nem Dr. Hayall, nem Universidade de Sierras, meramente fictícios. A mentira ganhou fama quando o anúncio de Houston foi repetido, aparentemente de maneira séria, pelo cientista soviético Iossif Shklovsky, citado por Hercílio Maes na entrevista.

11 - Ao longo de todo o livro “Simplesmente Hercílio”, depara-se o leitor com inúmeras revelações feitas por Hercílio Maes sobre as vivências pregressas de inúmeras personagens da história. Alegava ele que tinha acesso a tais informações. O interessante, tal como ocorre com outro “médium” de Ramatis, o Sr. Roger Bottini, conforme demonstramos em estudos interiores, é que eles foram sempre criaturas de elevada condição social e/ou espiritual que habitaram planetas adiantados, continentes perdidos, foram faraós, reis, rainhas, parentes próximos de expoentes da Bíblia e do próprio Allan Kardec, conheceram Jesus, enfim, estiveram sempre presentes entre a nata da nata. Só que a mosca azul da vaidade não pica a todos. É contado no livro supracitado que, certa feita, Hercílio teria encontrado a médium Yvonne Pereira no ano de 1969 em um evento, e afirmou que ela teria sido George Sand (pseudônimo de Amandine Dupin), famosa escritora e musa inspiradora de Chopin. Yvonne educadamente negou a tese.

O espírito Vianna de Carvalho comenta essa postura:

“Pseudo-médiuns ou medianeiros em desequilíbrio, assessorados por espíritos levianos, que se comprazem em mantê-los no ridículo, amiúde apresentam-se como reveladores, e o são inconsequentes, ludibriando a boa-fé dos incautos ou incensando os orgulhosos com bombásticas informações em torno do seu passado, com promessas mirabolantes sobre o seu futuro, ou ainda, como emissários de Embaixadores Celestes para evitarem calamidades, assumindo posturas de semi-deuses, que deslumbram os fascinados e se tornam condutores de grupos humanos.
Os Espíritos Nobres não têm qualquer interesse em revelações em torno de personalidades de ontem ou de hoje, evitando a abordagem em torno do que hajam sido, trabalhando em favor do presente, do qual se origina o futuro, que é a grande meta.
Não tem nenhum sentido a busca de informações em torno do passado espiritual, particularmente se se anela por haver sido rei ou príncipe, nobre ou burguês, sábio, guerreiro ilustre, papa ou outra qualquer personagem importante, que em algum momento esteve presente na história.”
Assim sendo, qualquer semelhança não é mera coincidência, querido leitor.

Conclusão

Não há dúvida que Hercílio Maes era um homem de bem. Segundo seu filho e amigos, era dedicado à família e disposto a colaborar com todos. Era também um homem de certa cultura e tinha o dom para a escrita. Venceu concursos literários, foi ex-acadêmico de Medicina e formou-se em Direito e Ciências Contábeis. Ao contrário de Chico Xavier, tinha condições intelectivas para escrever de próprio punho. É muitíssimo provável que isso tenha acontecido, já que as ideias que defendia não encontravam eco na Doutrina Espírita, a qual dizia seguir, mas ao mesmo tempo apresentava similitudes com a Teosofia, o ocultismo e quase toda sorte de crença esotérica. Assim sendo, nada melhor que receber um “espírito de oriental” para fazer valer as verdades que acreditava fazerem falta ao corpo doutrinário espírita.

Herculano Pires, ex-teosofista, foi o primeiro a corajosamente levantar essa tese através da coluna que possuía no jornal "Diário de São Paulo", não se importando com a apressada aceitação dos ditados de Ramatis por parte de numerosos neófitos da Doutrina. Anos depois, com a não confirmação das principais teorias dos ditados atribuídos ao tal “espírito oriental”, tal como a não existência da avançada civilização marciana, até mesmo seus discípulos aventaram a hipótese da influência anímica. Wagner Borges, por exemplo, que afirma receber mensagens de Ramatis, em seu livro “Viagem Espiritual” (1994) cogita essa possibilidade e declara que Ramatis nunca lhe disse coisa alguma sobre marcianos e catástrofes provocadas por um suposto astro intruso.
Hercílio não se apressou muito em publicar o que escrevia. Infelizmente, um amigo se empolgou mais do que deveria, e ignorando o cuidado que se deve ter antes de se publicar algo supostamente advindo do mundo espiritual, tratou de elevar aqueles ditados à conta de revelações indefectíveis, espécie de complemento do grandioso trabalho do Codificador Allan Kardec, embora as condições e qualidade de tais trabalhos em nada se assemelhassem. E como tais mensagens traziam novidades bem ao gosto das massas, repletas de previsões retumbantes, excursões interplanetárias e boa dose de misticismo oriental, as obras atribuídas a um espírito que ostentava um turbante logo começaram a vender como água.

Homens mais experimentados e conhecedores da Doutrina Espírita não se deixaram entusiasmar, exatamente como agiu Kardec ao se deparar muitas vezes com ditados que contrariavam o consenso universal. Herculano Pires, Deolindo Amorim, Jorge Rizzini, Ary Lex, Carlos Imbassahy (o pai), entre outros expoentes, direta ou indiretamente se manifestaram, provocando a ira e o antagonismo dos que aceitavam aquelas mensagens como autênticas revelações de um espírito sábio. Os defensores de Ramatis alegavam que seu médium era homem sem ambições de cunho material, esquecendo-se que nem sempre esta é a única marca de confiabilidade que se espera em um médium para aquilatar o valor das mensagens que recebe. Um médium pode muito bem se enganar em relação às luzes do espírito comunicante, sem contar a hipótese de animismo – ideias que são do médium, mas que são confundidas com as de um espírito.

Foi um eminente físico americano Richard Feynman quem disse: “Sou sábio o suficiente para saber que posso me enganar”. Os ramatisistas parecem não contar com esta possibilidade. Embora os carros-chefes da suposta entidade espiritual tenham se esboroado com o tempo em decorrência do avanço das ciências e da ampliação do conhecimento humano, insistem eles em defender o indefensável, com a criação incessante de teses esdrúxulas, geralmente de fundo conspiratório, como aquela que afirma que os marcianos utilizam hologramas para encobrir a real paisagem do planeta vermelho, já que ao invés dos mares, jardins floridos e marcianos alados descritos por Maes/Ramatis, as sondas não-tripuladas só encontraram um terreno desértico, caótico e desolador.

Assim sendo, é tempo do movimento espírita retomar o bom-senso kardeciano e definitivamente escoimar de seus círculos os movimentos cismáticos que se formaram ao seu redor, entre eles o ramatisismo, cujos adeptos bem poderiam formar seus próprios redutos e movimentos, sem se utilizarem da figura de Allan Kardec e da insígnia espírita para angariar a respeitabilidade que lhes falta. Seria bem mais honesto, coerente e sensato.

18 janeiro 2013

O destino dos animais e a questão do "cão intercessor"



O Espiritismo é uma doutrina espiritualista de caráter filosófico e, ao mesmo tempo, uma ciência experimental, segundo a definição de Allan Kardec. O objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual, seguindo-se daí que o conhecimento acerca dos princípios da matéria, estudados pelas ciências ordinárias, lhe serve de complemento, uma vez que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. Deste modo, Espiritismo e Ciência se completam reciprocamente.

Contrariamente a isso, certos simpatizantes da Doutrina Espírita preferem renegar os conhecimentos científicos e descambam para a tentativa de anexar ao conhecimento e práticas espíritas conceitos oriundos do Espiritualismo genérico, com o que intentam “enriquecer” o corpo doutrinário espírita. Desta forma, passam a disseminar, junto aos núcleos espíritas, ideias e conceitos que conflitam clara e diretamente com os mais básicos e elementares princípios espíritas, ocasionando, assim, grandes confusões entre os simpatizantes da Doutrina, conduzindo o Movimento, de maneira sub-reptícia, à perda de unidade e, consequentemente, provocando desinteligências entre os adeptos, o que facilita a formação e fortalecimento de redutos seitistas. Atuam, portanto, à feição de vírus perigosos, como já tratamos no artigo “Os Cavalos de Troia do Espiritismo”.

Uma dessas questões elementares a que nos referimos acima é aquela que trata do animal irracional e sua destinação após a morte, assim como o grau de evolução ao qual pertencem. Tal assunto é tratado de maneira clara na obra basilar da Doutrina Espírita, “O Livro dos Espíritos”. Da questão 592 até a de número 610, os Espíritos Superiores respondem às mais variadas perguntas formuladas pelo codificador Allan Kardec, onde chegamos às seguintes conclusões, que abaixo enumeramos:

1. Os animais possuem instinto, que é uma forma rudimentar de inteligência, e não são detentores de livre-arbítrio;

2. Os animais não podem analisar seus erros e acertos. Assim sendo, não podem sofrer penas nem gozos por não terem consciência de seus atos praticados no mundo físico. Não há neles senso moral, já que a inteligência não se encontra suficientemente desenvolvida para tal;

3. A alma dos animais, após a morte do corpo, é devolvida rapidamente ao mundo físico, seja em um planeta ou outro para que continuem sua evolução até chegarem ao estado hominal, donde daí para frente possuirão livre-arbítrio e sofrerão as penas e gozos do mundo espiritual.
Em “O Livro dos Médiuns”, cap. XXV, 283, itens 36 e 37, também podemos colher mais informações sobre a questão:

4. O princípio inteligente que anima o animal fica em estado latente após a morte, sendo que espíritos encarregados desse trabalho imediatamente o utilizam para animar outros seres. Não lhes sobra tempo disponível para se por em relação com outras criaturas. Sendo assim, não há espíritos errantes de animais, mas somente espíritos humanos.

5. Consequentemente, não há animais habitando o mundo espiritual, e nem é possível obter comunicações de animais por via mediúnica ou por quaisquer outros meios.

É isso, pois, resumidamente, o que ensina o Espiritismo sobre o destino da alma dos animais, assim como suas possibilidades e nível de adiantamento.

No entanto, volta e meia nos deparamos com declarações em evidente contraposição ao exposto acima sendo feitas em centros espíritas ou presentes em obras que dizem inspirar-se no Espiritismo. Decorrem, obviamente, de mera opinião pessoal de seus autores, mas que são consideradas, por certo número de desavisados, como autêntico ensinamento espírita. Isso ocorre mais comumente nos núcleos de orientação ramatisista, que se auto-intitulam “universalistas”, onde se pretende, a todo instante, “reformar” o Espiritismo a título de “modernidade” e “vanguardismo”. Porém, infelizmente, o que encontramos nesses redutos é um autêntico sincretismo, onde tudo se mistura, sem qualquer critério de aferição da Verdade. Opiniões individuais se mesclam a conceitos do orientalismo, cujas doutrinas jamais formaram um corpo uniforme, somadas a comunicações atribuídas a espíritos, que são logo cridas como autênticas e repositórios de verdades cristalinas, a título de contribuição ao corpo doutrinário espírita. Esquecem-se, contudo, que o critério espírita de aceitação das mensagens oriundas do mundo espiritual deve ser o da concordância universal, tendo como base a própria revelação espírita, toda ela consubstanciada nas obras da Codificação.

Um exemplo prático dessa triste realidade tem sido as mensagens atribuídas a um deus grego (!) pretensamente recebidas pelo “médium universalista” gaúcho Roger Bottini, que também diz psicografar Ramatis. Já realizamos uma abordagem crítica deste caso e assunto no artigo “Médium ‘universalista’ diz receber mensagens de deus grego”- o qual sugerimos a leitura para melhor entendimento do que agora escrevemos - , sendo que, recentemente, causou-nos enorme perplexidade o comentário feito pelo Sr. Bottini sobre um suposto “cão intercessor” chamado Fiel. Segundo o médium supracitado, seus leitores estariam livres para orar ao cão e “pedir auxílio para seus ‘pets’ que estejam doentes ou tenham desencarnado.” Segundo o sr. Bottini, “Fiel é um cão do reino astral muito especial” e “vive junto a Hermes”, o deus da mitologia grega, e “atenderá aos pedidos feitos a ele com muito amor e carinho”(...)

Desta feita, apelamos ao leitor que analise minimamente a declaração acima e compare com o que é ensinado pela Doutrina Espírita. Lembramos que o autor faz palestras em centros espíritas e se diz “espírita universalista” – uma maneira encontrada de não ter que divulgar fielmente os princípios espíritas e misturá-los a tudo que lhe venha na cabeça. O resultado disso é que, dentro em breve, certamente, teremos pessoas que se dizem “espíritas” declarando abertamente por aí que oram a um cão, que amorosamente atende aos seus pedidos. A impressão causada, com certeza, será a pior possível, passando o Espiritismo a alvo de chacota e desprestígio por parte daqueles com mínima capacidade de raciocínio e senso crítico.

Segundo as instruções dos Espíritos a Allan Kardec, principalmente as contidas na Introdução de “O Evangelho segundo o Espiritismo” e em “O Livro dos Médiuns”, faz-se necessário estarmos alerta a esses focos de grosseira mistificação e aplicarmos uma postura crítica que consiste em separar o verdadeiro do falso. É nosso dever submeter ao cadinho da razão e da lógica todas as comunicações, sobretudo aquelas que possuem um caráter exótico e exclusivista, geralmente advindas de indivíduos vaidosos que se auto-intitulam detentores de alguma missão especial ou conhecimento inacessível a maioria, que apresentam como verdades absolutas. Na mais das vezes, são vítimas de espíritos mistificadores ou pseudossábios, que se ornam com nomes pomposos para melhor enganar. O mal que tais entidades intentam causar é enorme, porque visam à desfiguração da mensagem espírita, expondo-a ao ridículo e ao vexame perante a opinião pública, enfraquecendo, assim, os magnos objetivos de esclarecimento e libertação da ignorância propostos pela Doutrina. A fim de atenuar a má impressão que causam, podem essas entidades espirituais até estimular seus medianeiros a erguerem alguma obra de caridade ou a desenvolverem alguma atividade de assistência social, intentando, assim, formar uma nuvem de fumaça em torno do médium e angariar a admiração dos incautos que lhes seguem os esdrúxulos ideários. Tais ideários, atualmente, estão geralmente ligados aos conceitos de salvação planetária, coletiva e/ou individual, onde se inserem “revelações” e previsões sobre futuras hecatombes apocalípticas, incutindo que seus seguidores serão salvos em função de suas crenças, preces ou ações determinadas pelo(s) líder(es) seitista(s). Tudo, obviamente, sugerindo muito amor, fraternidade e caridade em frases de efeito, que, na verdade, encobrem boas doses de presunção, e estímulo ao medo e ao misticismo.

O Espiritismo bem estudado e compreendido é seguramente o melhor antídoto contra tais ilusões e artimanhas, mas como cada vez mais se tem priorizado a leitura de obras romanceadas e as de abordagem superficial e simplista de pretenso caráter espírita, deixando-se de lado o estudo sério e metódico das obras kardecianas, tem crescido o número de adeptos que pouco ou nada sabem sobre a Doutrina, tornando-se, assim, presas fáceis dos espertalhões encarnados e desencarnados.

Já declarava Kardec em 1861, em “O Livro dos Médiuns”:

Os Espíritos são as almas dos homens, e como os homens não são perfeitos, há também Espíritos imperfeitos, cujo caráter se reflete nas comunicações. É incontestável que há Espíritos maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais devemos nos prevenir.

Herculano Pires, em vista desses preciosos esclarecimentos, teceu comentários, tendo em mente o que vem ocorrendo no movimento espírita brasileiro:

A malandragem dos Espíritos mistificadores ultrapassa às vezes tudo que se possa imaginar. A arte com que assestam as suas baterias e tramam os meios de persuadir seria digna de atenção, caso se limitassem a brincadeiras inocentes. Mas as mistificações podem ter consequências desagradáveis para os que não se previnam. Somos muito felizes por termos podido abrir os olhos a tempo a muitas pessoas que nos pediram conselhos, livrando-as de situações ridículas e comprometedoras.
(...) Devem também considerar desde logo suspeitas as predições com épocas marcadas e todas as indicações precisas referentes a interesses materiais.
Toda cautela com as providências prescritas ou aconselhadas pelos Espíritos, quando os fins não forem claramente razoáveis.
Jamais se deixar ofuscar pelos nomes usados pelos Espíritos para darem validade as suas palavras.
Desconfiar das teorias e sistemas científicos ousados. Enfim, desconfiar de tudo o que se afaste do objetivo moral das manifestações. Poderíamos escrever um volume dos mais curiosos com as estórias de todas as mistificações que têm chegado ao nosso conhecimento.
A falta de observação dessas instruções tem permitido a divulgação e aceitação de numerosas teorias pseudo-cientificas em nosso país e em todo o mundo, que contribuem para o descrédito do Espiritismo. A vaidade pessoal de médiuns, de estudiosos da doutrina e até mesmo de intelectuais de valor inegável, estes sempre dispostos a criticar e a superar Kardec, tem levado essas pessoas ao ridículo, inutilizando-as para o verdadeiro trabalho de divulgação e orientação. Essas instruções devem ser lidas e meditadas pelos que desejam realmente servir à causa espírita
.”

Assim sendo, prezado leitor, se desejamos estar aptos a seguir a causa espírita, levemos em consideração tais instruções, precavendo-nos, assim, dos engodos que dão o ar da graça em nosso meio. Somente o estudo atento das obras kardecianas, somados ao desenvolvimento do senso crítico alicerçado na mais severa lógica, pode imunizar-nos desses vírus inoculados pelos inimigos secretos do Espiritismo e do bem geral. Amar ao próximo não é somente aliviar suas dores, mas preveni-las, e isso começa por libertá-lo de tudo que conduza ao erro e à ilusão, que, consequentemente, levará ao sofrimento. Na ignorância repousa a origem de todo o mal.